sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O Estripador de Mulheres AKA Assassino da Noite


 
Brasil, Colorido.1978.

Direção e Roreiro: Juan Bajon
Fotografia: Antônio Ciambra
Música: Manuel Paiva e Luiz Chagas
Produção: R.B.McGarvin e Luiz do Nascimento
Elenco: Ewerton de Castro, Renato Master, Abrahão Farc, Aldine Muller, Ivete Bonfá, Lola Brah, Marlene França, Carlos Koppa e Mayara de Castro.

Sinopse: Uma sucessão de homicídios a mulheres abala uma pequena cidade de São Paulo. O assassino além de matá-las, realiza um corte em suas barrigas e retira alguns órgãos, intrigando a polícia e assustando os moradores da região. O trabalhador de um matadouro torna-se o principal suspeito do caso e é preso. Mas o verdadeiro assassino ainda está à espreita...





Fazia tempo que queria assistir esse filme, que sempre é comentado quando o assunto é cinema de gênero brasileiro. Costuma-se dizer que fãs de cinema nacional geralmente dão um desconto a pobreza na produção ao analisar esses filmes, fecham um olho para os demais defeitos. Bem, para mim sempre é um prazer rever um filme nacional de 20, 30 ou 40 anos atrás, e é melhor ainda quando o filme é da Boca do Lixo paulista. Quem gosta de um gênero em específico SEMPRE releva algumas coisas, é verdade, mas acho que quem gosta mesmo de cinema deve relevar mesmo se quiser realmente sair da realidade e embarcar na película a ser assistida. Mas vamos ao filme!

Apesar da temática de assassino serial, o filme é bem diferente das produções estadunidenses que tocam no mesmo assunto que eram feitas naquela época, que dirá atualmente. Há sangue, mas não tripas de fora, o que pode desagradar os fãs mais tarados por gore. Mas cá entre nós, não funcionaria mesmo. O filme também vai surpreender quem acha que só tem nudez nos filmes brasileiros de antigamente, apesar de aparecem os seios das vítimas (afinal o cara é um ESTRIPADOR!), não há nudez. O roteiro do filme não perdoa ninguém: a imprensa é sensacionalista, a polícia é inepta, a população no geral é cheia de falsos moralismos. É, e o filme é uma ficção...

Há diversas sequências de puro nonsense, proporcionadas pelas irmãs donas da pensão, onde morava a primeira vítima, e pela galeria de personagens que desfilam na delegacia: vizinhas beatas e ressentidas, loucos assumindo a culpa dos crimes e até mesmo um vidente com visual igual ao protagonista da novela “O Astro”, que havia sido um sucesso no ano anterior (1977). O ritmo do filme é meio irregular, mas ele (quase) nunca deixa a peteca cair. A cópia que eu assisti foi ripada de um VHS, então a imagem não estava muito boa, mas o som estava O.K. A trilha sonora é outro ponto de destaque, um pianinho que lembra em alguns momentos “Halloween”, filmado no mesmo ano.

O Estripador é interpretado pelo Ewerton de Castro em estado de graça, cheio de caras e bocas. Nessa época ele era a cara do Jim Parsons, que interpreta o Sheldon em “The Big Bang Theory”. O personagem não é um sobre-humano; pelo contrário, é um simples farmacêutico, com aquela cara de dominado pela mãe, um personagem bem Nelson Rodrigues, bem brasileiro.

O personagem principal é antipático e estúpido, fazendo com que eu torcesse pelo serial, esperando que ele conseguisse controlar sua fúria assassina. Com exceção das figuras conhecidas do cinema nacional da época que aparecem no filme, todo o elenco parece ter sido recolhido na rua para atuar, o que torna algumas cenas que deviam ser sérias, cômicas pela má atuação. 

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Se há algo a reclamar do filme, para mim foi a sequência, longa e desnecessária no clube de travestis. O estripador mata uma travesti; algumas cenas depois aparece um longo número musical, com uma música em inglês dublada sem muito empenho. A cena se intercala com a cara de pamonha dos policiais que estão investigando o caso. Quando a música acaba, nada. Os policiais não interrogam ninguém no clube para justificar sua presença ali, eles já tinham interrogado o último cliente da travesti, inclusive!

Mas o final do filme, irônico e apoteótico, compensa tudo. Fez-me pensar que poderia existir algo pior que o A TARDE É SUA! Não à toa, o filme foi premiado pela Associação de Críticos de Cinema de São Paulo com os prêmios de melhor roteiro e também melhor música. Muito bom para um trabalho de estreia! Pena que o diretor e roteirista do filme, Juan Bajon, cineasta de origem chinesa, tenha começado no final da década de 70, quando o cinema nacional já declinava e as produções a seguir para fazer sucesso tinham que ter sexo explícito. Ele ainda conseguiu fazer uns seis filmes (policiais, dramas e comédias) antes de ingressar na pornografia hardcore, alguns filmes com zoofilia, inclusive.

Ele se deu muito bem nessa área, produziu e dirigiu vários filmes que se pagaram e deram bastante bilheteria. Seu último filme foi em 1989, uma coletânea de cenas com Márcia Ferro intitulada “A vida privada de uma atriz pornô”. Fez cerca de 50 filmes no total, e ficou conhecido pelo grande público por seus filmes de sexo sobre mulheres com cavalos. Hoje em dia vive aposentado numa chácara no interior de São Paulo criando cachorros e colecionando livros e filmes. Ainda escreve roteiros de cinema, mas não participou dessa “retomada”. Em entrevista a revista Zingu!, ele declarou que hoje o cinema nacional não é mais uma indústria, mas um esquema.


P.S. Essa postagem foi patrocinada pelo Sabonete Tendersol e pelo restaurante Búfalo Roxo (acho que a piada não terá muito graça se você não assistir ao filme!).

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Mundo Canibal

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Il paese del Sesso Selvaggio. ITA. 1972. Colorido
Direção:
Umberto Lenzi
Roteiro: Francesco Barilli e Massimo D´Avak
Fotografia: Riccarco Pallottini
Música: Daniele Patucchi
Produção: Giorgio Carlo Rossi,
Ovidio G. Assonitis
Elenco: Ivan Rassimov, Me Me Lai

Sinopse: O fotógrafo John Bradley (Ivan Rassimov) está excursionando no interior da Tailândia quando é emboscado e mantido escravo em uma tribo primitiva, e tenta fugir várias vezes, até que a filha do chefe o escolhe como seu noivo. Depois de ter sido iniciado por várias torturas, ele passa a fazer parte da tribo...






Aventura que deu início ao ciclo de filmes de canibais no cinema Italiano, Il paese del Sesso Selvaggio, dirigido por Umberto Lenzi,  é bem diferente de seus sucessores. O ciclo ficou conhecido pelas mortes reais de animais, mulherada pelada e pela suposta "exploração dos nativos pelos produtores italianos picaretas". As mortes de animais e a mulherada pelada estão lá, mas o filme é bem diferente de um "Holocausto Canibal" do Ruggero Deodato ou de "Os vivos serão devorados," também dirigido pelo Lenzi. 

Talvez por ter sido o primeiro do ciclo, o filme é bem diferente de seus sucessores, há uma história de aventura a ser contada, não apenas em exploração do sensacionalismo. Algumas das sinopses que encontrei por aí passam a idéia errada que o fotógrafo é capturado por uma tribo de canibais, o que passa bem longe da verdade. Os silviculas que o capturam, tomando-o no início por um homem-peixe devido a sua roupa de mergulho (motivo pelo qual um dos nomes em inglês é "The Man From Deep River") não tem uma cultura nada agradável, mas NÃO são canibais. A tribo inimiga deles que é, pois o canibalismo não é o ponto central da trama. O filme está mais para uma versão italiana de "Um homem chamado cavalo". O filme não é um terror, e está bem longe disso. O canibalismo aparece em duas cenas nesse filme, de forma chocante e não sei se fidedigna, já que os canibais comem a carne crua e ensanguentada de seus inimigos. Sei lá, eu dava uma assada!
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O interessante nesse filme é o tratamento das semelhanças entre a cidade e a selva. No inicio do filme, ainda em Bangkoc, o fotografo inglês John Bradley (interpretado pelo ator italiano de origem sérvia Ivan Rassimov) está mais interessado em assistir Muay-Thay do que na mulher que o acompanha. Essa mesma mulher aparentemente sai com um local, que horas depois tenta matar o fotógrafo, que acaba matando o local ao se defender. Na selva, os selvagens são vidrados em sangrentas rinhas de animais. Essa associação entre as rinhas de animais e o muay-thay me fez rir pensando nessa atual "paixão nacional" pelo MMA. Qual a diferença do público de briga de galo e o do MMA? Há diferença?


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A selva se mostra diferente para John Bradley. Ao matar o homem na cidade ele passa a ser perseguido pela polícia. Ao matar um homem numa luta de lanças na Aldeia, ele é perdoado pelo próprio antes de morrer, pois ele venceu. Sim, a tribo selvagem que o capturou arranca a língua dos canibais da tribo inimiga, o que o choca a princípio por ser um ato aparente de extrema crueldade. Mas ainda hoje castram-se quimicamente estupradores e pedófilos, uma mutilação aceita por lei no estado moderno.


Na selva há similaridades com o mundo moderno: casar com a bela Maraya (vivida pela Me Me Lai, Birmanesa de pai inglês) a filha do chefe, lhe permite subir na escala social e tornar-se respeitado. Mas só apos passar pelos rituais bizarros como comer cérebro de macaco, e  peculiar cerimônia onde a noiva escolhe o noivo pela "sua pegada". John apaixona-se por ela e desiste de fugir, tornando-se um caçador respeitado por todos, exceto pelo invejoso curandeiro da tribo, que acaba amaldiçoando ele e sua esposa.


Ao enfrentar seus inimigos canibais, John acaba fazendo o que antes abominou, ao cortar a língua de seus inimigos. Apesar de sua nova posição nem John nem sua noiva podem sair desse microcosmo de tabus: grávida, ela começa a morrer diante de seus olhos, e após uma tentativa malfadada de fuga para um hospital, ambos continuam na tribo até a derradeira luta contra a tribo rival. O final se mantem fiel a ideia do longa, mas eu fiquei me perguntando: John vai continuar na tribo por causa do filho ou porque desistiu mesmo da civilização? Bem, a seu modo, Mundo Canibal é um filme bonito de se ver, se você não for dessa geração videoclipeira atual, pois seu realismo condiz justamente com a baixa produção do filme.




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O diretor Umberto Lenzi, o Ivan Rassimov e a Me Me Lay voltaram a trabalhar juntos em "Os vivos serão devorados", esse sim um exploitation de marca maior, com direito até a cobra enfiada em vaginas! A Me Me Lai tornou-se inclusive uma musa do subgênero, aparecendo também em "Último Mundo Canibal". Ao assistir esse filme, Fico pensando como seria bom se alguém com grana aparecesse para filmar o roteiro original de “Canibais e Solidão”, para ver como seria um filme desse hoje em dia, em bom português. O subgênero de Canibalismo italiano durou pouco, mas como quase tudo feito durante o auge do cinema popular italiano, deixou saudades.

 


sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Cinema Super-8: Quinze anos de resistência






Já fazem 15 anos que a Kodak deixou de fabricar a bitola sonora de filmes Super-8, passando a produzir seus filmes coloridos e preto e branco sem som, por ”razões ecológicas” pois a cola da pista magnética do filme seria nociva ao meio ambiente. Eu queria saber se alguém engoliu isso algum dia. Os veículos movidos a combustíveis fósseis são com certeza uma indústria bem lucrativa e continuam poluindo por aí. Ainda acho que para a Kodak o custo não compensava a demanda e a empresa decidiu usar essa desculpa tão em voga, extinguindo então um produto que foi muito além de seus propósitos iniciais. O produto rival, o single-8 da Fuji, deixará de ser fabricado completamente esse ano, e os laboratórios japoneses, os únicos no mundo que ainda revelavam esse material deixarão de fazê-lo em 2013.

Hoje em dia a discussão é sobre se o digital é ou não cinema, ou como dizem os pessimistas quando iremos abandonar a película. Antes a discussão era aceitar o vídeo profissional como cinema ou não, o que gerou a infame (pelo menos para mim) divisão entre Cinema & Vídeo, e criou a medonha qualificação de video maker ou videasta como que para diminuir quem não tinha grana para filmar em película, distinguindo-os dos cineastas. Isso fez o formato de vídeo ser relegado ao pornô e filmes baratos e/ou independentes, alguns diretamente lançados no mercado hoje moribundo de vídeo locadoras (que na época também tinham filmes realizados em película, mas nunca lançados nos cinemas). Até aonde eu saiba, filme realizado em vídeo só passava no cinema em festivais.


Antes do videoteipe o super-8 também foi discutido como um formato válido ou não para produções cinematográficas e acabou se saindo melhor, sendo uma categoria própria em festivais, e tendo filmes completamente rodados no formato sendo exibidos em cinemas e distribuídos comercialmente. Originalmente destinado a gravações caseiras, bastou as bitolas coloridas e preto e branco do super-8 ganharem som em 1973 para o super-8 se tornar a melhor alternativa para estudantes de Cinema em seus primeiros filmes e aspirantes a cineastas a fazerem suas próprias produções amadoras, além de criar todo um mercado ponográfico de cineminhas e filmes para uso em projetores domésticos. Mas mesmo antes do som, o super-8 já era utilizado em instalações por artistas plásticos, que souberam aproveitar uma das características mais marcantes do super-8: o sonho.




O Super-8 tem uma imagem granulada característica que dá a qualquer filme realizado nesse formato um ar de fantasia, alucinógeno, bem diferente dos formatos 16 mm, 35 mm e do Grandioso 70 mm.  Acredito que mais que puro fetichismo pelo vintage, é essa magia do formato que mantém essa legião de admiradores viva até hoje. Com a aplicação de pista magnética na película é possível adicionar som num filme Super-8, e o computador permite a gravação de som na edição para adaptar o super-8 para outras películas ou em formato digital. Embora seja comum o super-8 ser utilizado em videoclipes e em sequências dentro de filmes, há filmes completamente filmados em super-8 sendo feitos hoje em dia, incluindo longa-metragem, apesar da curta duração da bitola, pouco menos de 3 minutos cada.



Apesar de bem afastada do grande público, que aliás não conhece nem os formatos digitais que dirá em película, os filmes realizados em Super-8 não param de ganhar novos admiradores e festivais inteiramente dedicados ao formato não param de surgir. O último festival dedicado completamente ao gênero surgiu em Chicago em 2011, o Chicago 8, que está recebendo filmes até o dia 30 de agosto desse ano. O Curta 8, festival brasileiro que ocorre em Curitiba, este ano terá sua 8º edição, e quando vocês estiverem lendo essa postagem, já terá encerrado suas inscrições. A grande maioria desses festivais aceita três tipos de filmes: os feitos em tomada única, que o realizador não edita, e inclusive só abre a lata na hora, vendo pela primeira vez o que filmou junto ao público; os Editados em película, geralmente curta metragens; e os finalizados em digital.


"Iaia et Leni", vencedor na categoria Tomada Única do Curta 8 2010. 

Não ser um formato comercial impossibilita orçamentos maiores e visibilidade ao grande público, por um lado; mas isso libertou o super-8 da obrigação de retorno financeiro, da previsibilidade  e mesmice e da necessidade de um argumento linear. A grande maioria dessas produções novas se enquadraria naquela definição estreita de filme de arte, ou Cult, embora hajam comédias e filmes em vários gêneros filmados no formato, que teriam bastante aceitação do grande público se tivessem uma exibição em maior escala. Atê porque o longa "Super-8" aumentou a visibilidade do formato. Isso infelizmente se refletiu no aumento do preço de algumas câmeras (Usadas, já que só se fabricam cameras Super-8 novas na Coréia do Norte!) que começaram a ser vendidas no mercado livre.

Filmes realizados em Super-8 que você não pode perder:

"It´s Abou you", documentário longa metragem que acompanha a turnê de verão de 2009 do músico John Mellencamp com Bob Dylan e Willie Nelson.


"The return of Ultraman" (1983), curta metragem de 28 minutos filmado com uma Single-8.

"The man who met himself", curta metragem de 2005. Primeiro curta super-8 a participar da mostra competitiva do festival de Cannes.




Como hoje em dia quem quer fazer cinema não precisa necessariamente de película, vide o sucesso cada vez maior dos filmes no estilo fakementary como o "Atividade Paranormal", O público superoitista é bem diferente dos de trinta e quarenta anos atrás.  Os novos superoitistas geralmente são pessoas ligadas a Fotografia, Lomografia, Teatro, Música e/ou Artes Plásticas. Eles estão preocupados com questões estéticas diferentes, e sua preocupação não é em contar uma história, mas sim em como contá-la.  Quem quer fazer cinema pode utilizar celulares e cameras digitais ou 3D, inclusive com a opção de filmar com áudio em 5.1 embutido já em algumas câmeras, um modo de fazer filmes bem diferente do velho filmar, revelar e mixar som. Mas para alguns são nessas pequenas coisas em que se reside a magia do Cinema.

Na próxima parte dessa postagem, os filmes realizados em super-8 no seu gênero mais popular: o horror!


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Vejam mais alguns vídeos e trailers em super-8 nessa página do Facebook: https://www.facebook.com/pages/Super-8/25932441119